O ser humano, de modo
geral, não aceita o sofrimento com facilidade. Diante da dor – seja
física, emocional ou social – ele tende a considerá‑la algo intolerável,
injusto ou que “não deveria existir” em sua vida. Por isso, trabalha quase
instintivamente para eliminar toda causa de sofrimento, buscando afastar,
neutralizar ou destruir aquilo que o faz sofrer. Essa reação é visível tanto
nas pequenas coisas do cotidiano (fugir de conversas difíceis, evitar
frustrações, anestesiar a mente com distrações) quanto em questões coletivas
mais amplas: sempre que uma realidade causa dor, medo ou insegurança, surge o
impulso de encontrar um alvo e agir de forma a retirar esse mal de cena. Em
outras palavras, há um movimento constante de rejeição da dor e
de luta contra aquilo que a provoca, ainda que os caminhos escolhidos para
lidar com isso sejam muito diferentes entre as pessoas.
Dentro dessa lógica, a violência
empregada pelo crime organizado se apresenta como uma fonte evidente e
constante de sofrimento. Facções armadas impõem medo, tiram a paz de famílias
inteiras, controlam territórios pela ameaça, exploram jovens, promovem
homicídios, cobranças ilícitas e um clima permanente de insegurança. A
população sofre ao ver filhos sendo aliciados, trabalhadores sendo impedidos de
circular livremente, comércios submetidos a extorsões e comunidades inteiras
vivendo sob uma espécie de “domínio do terror”. Esse conjunto de ações não é
neutro: ele produz dor real e concreta, destrói sonhos, corrói o tecido
social e atinge diretamente o direito básico de ir e vir, de trabalhar, de
criar filhos em ambiente minimamente seguro. Assim, aos olhos de quem padece
todos os dias com essa realidade, o crime organizado não aparece como um
fenômeno abstrato, mas como uma causa direta e contínua de sofrimento
coletivo.
Diante dessa causa de sofrimento,
surge a resistência da sociedade, frequentemente expressa por meio da
atuação de forças encarregadas de conter, enfrentar e desarticular grupos
criminosos. Esse enfrentamento não acontece em laboratório nem em cenário
controlado; ele se dá em contextos de confronto real, onde criminosos armados
reagem, atacam, resistem e, muitas vezes, escolhem o embate até as últimas
consequências. Nesse cenário, a presença de feridos e mortos entre aqueles que
integraram o mundo do crime é uma consequência previsível da escolha por
sustentar, pela violência, uma estrutura que oprime e fere a população. Quando
essa resistência é reduzida apenas à visão da cena final – o criminoso baleado,
a morte em confronto – corre‑se o risco de inverter a lógica e tratar o ato
de conter a causa do sofrimento como se fosse, ele próprio, o grande mal,
ignorando que se está diante da resposta a uma agressão prévia e prolongada
imposta à sociedade.
Conclui‑se, portanto, que o ser
humano, ao não aceitar o sofrimento, inevitavelmente se volta contra aquilo que
identifica como sua causa. No contexto em que o crime organizado se estabelece
como fonte permanente de dor, medo e destruição, a reação de resistência por
parte da sociedade não surge do nada, mas da necessidade de frear um mal
que já vinha ferindo há muito tempo. Isso não significa romantizar a violência
nem perder de vista a dignidade humana, mas reconhecer que há uma diferença
fundamental entre quem gera o sofrimento pela prática deliberada do crime e
quem age para contê‑lo. Ignorar essa distinção é fechar os olhos para a raiz do
problema e condenar justamente o esforço de proteção que tenta devolver, ainda
que de forma dura, um mínimo de segurança e ordem a quem há anos vive sob o
peso da violência.
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